Frente Negra Brasileira: depoimentos. Márcio Barbosa (organizador). Quilombhoje, São Paulo, Quilombhoje, 1998.
Por Carlos Machado
O livro está dividido em cinco partes e desenvolvido em 111 páginas. O poeta e contista Márcio Barbosa pretende apresentar a história do partido Frente Negra Brasileira (1931-1937) na forma de testemunhos de pessoas que participaram deste movimento social negro, no contexto pós-abolicionista na cidade de São Paulo. Sua intenção é saber das “motivações, expectativas e, principalmente a maneira como reagiram a problemas que ainda hoje se colocam para a população negra”.
Os entrevistados são homens de origem africana nascidos nos estados de São Paulo e Minas Gerais, região sudeste do Brasil.
O primeiro depoimento é de Aristides Barbosa, jornalista e professor nascido em Mococa-SP em 1920. Foi membro da FNB na capital paulista na juventude e descreve sua participação no regional da FNB e os bailes patrocinados pelas Rosas Negras, comissão feminina da entidade. Nos anos 1930 freqüentou o Clube Negro de Cultura Social, assim como a sociedades recreativas Marujos dos Lavapés, Som de Cristal e 28 de setembro.
Como exemplo da consciência política do período, ele cita que a Frente Negra foi a única organização afro da cidade que em 1937 lançou um nome para disputar eleições com a candidatura de Raul Joviano do Amaral. A Legião Negra que foi uma dissidência da FNB que participou da revolução constitucionalista de 1932, se recusou a concorrer em solidariedade ao partido.
A liberdade partidária foi suprimida por um golpe de Estado liderado pelo presidente branco Getúlio Dornelles Vargas em 10 de novembro de 1937, e a Frente Negra que tinha conquistado o seu registro como partido político em 1936, encerra sua breve experiência partidária desarticulando-se. Aristides afirma que a FNB foi fechada pela intenção de participar da gestão do poder público e não por preconceito racial.
A organização se intitulou neste momento de União Negra Brasileira e posteriormente foi denominada de Clube Recreativo Palmares onde sobreviveu até a década de 1950.
Aristides em 1946 funda com Osvaldo Pereira Barbosa (pai do organizador), Arnaldo de Camargo e Ovídio P. Santos e Argemiro Dias Lima o jornal O Novo Horizonte.
Seu jornal era independente, seus associados se cotizavam para editá-lo e a redação localizava-se na Rua Pedro Taques, na Consolação. Diversos literatos e intelectuais utilizaram o espaço do jornal para a divulgação das suas obras e na defesa de uma maior qualidade de vida da população negra.
O segundo depoimento é de Francisco Lucrécio, cirurgião-dentista e funcionário público campineiro (1909-2001). Associou-se a FNB em 1931 e participou da diretoria da entidade sendo secretário-geral até sua dissolvição. Residiu no bairro do Bexiga (atual Bela Vista) notou que os italianos moravam em casas próprias e os negros brasileiros nos porões e cortiços alugados. Na década de 1930 a grande parcela dos homens negros trabalhavam em empregos de baixa qualificação. As mulheres negras trabalhavam em atividades domésticas, tinham um emprego mais estável e estavam mais preocupadas com o desenvolvimento da comunidade negra sendo a maioria das filiadas da organização.
A Frente Negra veio com um programa para conquistar posições para a população de origem africana em todos os setores da vida brasileira na forma de um partido político independente, nacionalista, que verdadeiramente representasse os interesses dos negros brasileiros. A origem desta mobilização estava na percepção de que negros e negras eram recusados no mercado de trabalho e na vida social de forma explícita e que era essencial se organizar.
A entidade se ramificava pela capital, interior do estado de São Paulo e nos estados do Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Os filiados chegavam a 20mil em todo o país. Eles possuíam o jornal A Voz da Raça e custeavam o aluguel da sede no bairro da Liberdade, sendo que em algumas cidades tiveram sede própria. A fonte de renda da FNB era a contribuição dos associados, o jornal e o Festival do Regional.
Na FNB e os intelectuais e políticos brancos mantinham um intercâmbio, inclusive políticos de alto escalão como Adhemar de Barros e eruditos como Mário de Andrade e Jorge Amado. Mas no início se deu um grande embate acusando a organização de promover o separatismo racial. Eles se defenderam alegando que a FNB defendia a democracia e os direitos humanos. Na sede havia uma escola onde professores voluntários e do Estado lecionavam para negros e descendentes de japoneses.
O terceiro depoimento é de José Correia Leite, jornalista paulistano (1900-1989) editor do jornal O Clarim D´Alvorada e membro do Grande Conselho da FNB, na gênese do movimento, no salão das Classes Laboriosas na Rua Roberto Simonsen.
Uma das causas do rompimento do grupo do Clarim com a Frente Negra se deu por divergências ideológicas já que o presidente Arlindo Veiga dos Santos (1931-1934) era monarquista e o grupo de Leite era apolítico. O outro motivo foi a viagem do secretário geral Isaltino Veiga dos Santos e sua comitiva para São Sebastião do Paraíso (sudoeste de Minas Gerais) e o caso extraconjugal com uma mulher de família tradicional da cidade. Como nenhuma punição foi tomada pela entidade, o grupo de O Clarim D´Alvorada, resolveu fundar um jornal somente para denunciar o caso, o Chibata. Quando estava no terceiro número, a redação do Chibata foi destruída por uma milícia que tinha ligações com a diretoria da FNB.
O Clube Negro de Cultura Social fundado em 1932 idealizado por José de Assis Barbosa e José C. Leite ficava na Rua Major Quedinho e tinha objetivos esportivos e culturais.
No mesmo ano ocorre a revolução constitucionalista de 1932 e o advogado Guaraná de Santana foi expulso da Frente Negra, por se associar aos constitucionalistas e fundar a Legião Negra. Convida Leite a criar o jornal Tribuna Negra em 1935, mas o projeto não teve continuidade por divergências políticas.
O quarto depoimento é do tenente coronel da Polícia Militar Marcello Orlando Ribeiro (1914-), mineiro de Baependi. Ele entrou na organização em 1932 e ingressou na Guarda Civil da cidade de São Paulo com o apoio da FNB.
Relembra que na década de 1930 foi comum os casamentos de interesse com portugueses e italianos com negras e negros de posse e o confisco de imóveis feitos pelo Estado e Prefeitura a pessoas negras com baixa instrução.
O quinto e último depoimento é do marceneiro Placidino Damaceno Motta (1917-1995) mineiro de Pirapora, que chegou em 1935 filiando-se a FNB na gestão do presidente Justiniano Costa (1934-1937). Ele se alfabetizou no curso noturno da escola da FNB e era um membro ativo da entidade. Defende que o erro da Frente Negra foi se envolver com a política partidária. Ele critica a falta de imóvel próprio e a apropriação das reservas do partido, a desarticulação e o esmorecimento após a implantação do Estado Novo.
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