São Paulo, 4 de maio de 2016


Estou muito feliz em ter ido para a web a entrevista sobre a minha pesquisa a respeito de ciência, tecnologia e inovação dos povos africanos e afrodescendentes pela Rádio Câmara do governo federal brasileiro. Este tema precisa ser mais conhecido para se alterar a visão da população negra como inteligente e desenvolvedora de conhecimento sofisticado, aspecto que a hegemonia branca brasileira e internacional escondeu! Ouçam toda a série de reportagens está ótima a produção e a escolha dos temas! 



http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/REPORTAGEM-ESPECIAL/506699-RACISMO-E-NEGRITUDE-%E2%80%93-LEGADO-DOS-POVOS-AFRICANOS-BLOCO-5.html


Desde a juventude, Edvaldo Mendes Araújo tinha uma inquietação: queria saber por que ele, uma pessoa negra, tinha sobrenome português. Pesquisou e descobriu que essa era a prática entre os senhores de escravo no Brasil: marcavam sua propriedade também com o seu nome. Foi aí que começamos a apagar a história dos povos africanos e seu legado para a humanidade. É o que diz o hoje Edvaldo Mendes Zulu Araújo. Ele incorporou oficialmente ao seu sobrenome o nome da primeira nação africana a enfrentar a colonização inglesa:

"O continente africano é um continente matricial da história da humanidade. É lá que surge a humanidade. Consequentemente o que nós temos de conhecimento, de informação, de tecnologia no desenvolvimento da humanidade teve início no continente africano. Querem datar a história do continente africano a partir de 1400, 1500. Isso é proposital porque é o período em que se inicia a descoberta do continente africano e, junto com ele, se implementa o tráfico de seres humanos no mundo na escala que conhecemos.”

A curiosidade do professor Carlos Eduardo Machado sobre seus antepassados também começou na juventude. Ao ler uma revista norte-americana, ele se deparou com um comercial que exaltava grandes invenções feitas por homens negros, como o semáforo, o filamento de carbono da lâmpada elétrica e a geladeira. Isso o provocou a querer saber mais sobre o conhecimento científico dos povos africanos e a escrever um livro. Com o título "Gênios da Humanidade - Ciência, Tecnologia e Inovação Africana e Afrodescendente", esse livro está pronto desde 2005, mas só agora, 11 anos depois, será publicado. O professor afirma que muitas ciências foram desenvolvidas no continente africano, como agricultura, pecuária, piscicultura, engenharia, urbanismo:

"Cidades africanas tinham um milhão de habitantes antes da chegada do homem branco lá. Se fazia cesárea de uma forma muito sofisticada, de uma forma muito mais higiênica do que se fazia na Europa na mesma época, na segunda metade do sec. XIX. (...) A população branca europeia criou o imaginário de que tudo que existe de sofisticado, de desenvolvido foi criado pelos europeus."

O professor Carlos Eduardo lembra ainda que uma das civilizações mais antigas estudadas pelo mundo ocidental, a egípcia, era, na verdade, negra.
Luciana Bento é socióloga, blogueira e dona de uma livraria especializada em autores e protagonistas negros. Ela conta que o escritor Machado de Assis teve sua cor negra apagada pela história para que se tornasse uma referência da nossa literatura. O auge foi em 2011, quando a Caixa Econômica Federal escalou um ator branco para representar o escritor em um de seus comerciais. Após a repercussão negativa, a Caixa se retratou e tirou a peça publicitária do ar:

"No caso do Machado, ele é um ídolo nacional e muitas pessoas sequer sabem que ele foi negro. [...] Hoje, com essa valorização da identidade negra, a gente vê muito menos tentativas de embranquecimento e a gente vê também paralelamente o resgate da identidade negra dessas personalidades."

Literatura, música, dança, ciência, tecnologia. As contribuições dos africanos para a construção do Brasil são inúmeras. Mas a principal delas, na visão de Zulu Araújo, é a cultura. Não a cultura ligada à arte, mas o jeito de ser alegre e flexível do qual nós, brasileiros, tanto nos orgulhamos:

"A sisudez que, às vezes é confundida com seriedade, no nosso caso não se aplica porque tem uma característica de origem africana na qual a alegria não está associada a pecado, não está associada a irresponsabilidade. [...] Os africanos com certeza podem existir no mundo sem o Brasil, mas o Brasil jamais existiria sem os africanos."

A deputada Rosângela Gomes, do PRB fluminense, lembra que existe uma lei (Lei 10.639/03) no Brasil que determina o ensino de História e Cultura Afro-brasileira nas escolas. Para ela, além de dar luz a todo esse conhecimento produzido na África pré-escravidão, como foi relatado aqui pelo Zulu Araújo e pelo professor Carlos Eduardo, é importante falar também sobre o que aconteceu aqui no Brasil durante a escravidão:

"A gente sabe tudo sobre a Grécia, sobre a Europa, mas pouco sabemos dos brasileiros que, enquanto as famílias brancas tinham suas casas, nós, negros e negras, vivíamos nos troncos, apanhando. Enfim, a população tem que saber dessa história e, quando as escolas, o Estado, o governo deixa de informar, o povo não tem ciência e acha que é banalidade, futilidade, como já vi diversas vezes por várias pessoas que cota é uma palhaçada, uma besteira. Mas cotas é ainda a única política afirmativa que temos que pode fazer um pouco de reparação, que é o que precisamos na nossa nação."

Para forçar o cumprimento da lei, a CPI de Homicídios de Jovens Negros e pobres propôs, em seu relatório final, um projeto de lei para tornar inadimplente o município que deixar de ensinar história e cultura afro-brasileira nas escolas.
Termina aqui a série especial “Racismo e Negritude”.
Reportagem - Verônica Lima
Edição - Mauro Ceccherini
Produção – Íris Cary, Cristiane Baker e Gabriela Pantazopoulos
Trabalhos Técnicos – Carlos Augusto de Paiva

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